Entrevista Swiss info A sociedade funciona como uma orquestra

"A sociedade funciona como uma orquestra"
Em 11 de agosto p.p., antes de um concerto em Morges, na Suíça, Ricardo Castro concedeu a seguinte entrevista a swissinfo onde fala sobre o projeto Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (NEOJIBA), que ele coordena e que segue um modelo bem-sucedido na Venezuela.
Para Ricardo, não ocorre a transformação social quando se cria orquestras em favelas ou nas periferias. Elas têm que estar em locais onde possa haver integração com as demais classes sociais "Só assim será efetiva a integração. A orquestra coloca ricos e pobres na mesma sala, tocando as mesmas notas e com o mesmo resultado", completa.
swissinfo: Como surgiu a idéia de criar o Neojibá?
Ricardo Castro: Conheci o projeto FESNOJIV (Fundacion Del Estado para El Sistema Nacional de las ORQUESTRAS JUVENILES E INFANTILES DE LA VENEZUELA), quando me apresentei como solista em Caracas. Implantado há 33 anos, este projeto educacional provou-se muito bem estruturado, desenvolvido, aprimorado e com excelentes resultados. Achei que daria certo no Brasil.
swissinfo: E por quê?
R.C.: Acho que temos similaridades e dificuldades comuns. Seria diferente adotar um projeto asiático ou europeu no Brasil. Temos semelhanças culturais e sociais com a Venezuela além do perfil da população ser parecido. Isso ajuda muito a implantação aqui.
swissinfo: Quando começou o projeto?
R.C.: Em junho de 2007. De junho a setembro levei alguns jovens à Venezuela para entenderem o sistema de formação de músicos naquele país. Em setembro fizemos a primeira apresentação. Segui os conselhos de Abreu, presidente do FESNOJIV - começamos em ritmo acelerado e hoje temos a primeira Juvenil completa da Bahia (Orquestra 2 de Julho) tocando razoavelmente bem um repertório sinfônico difícil em apenas 8 meses de atividade. Gosto de ressaltar que não inventei nada - simplesmente montei na Bahia um projeto que deu certo na Venezuela.
swissinfo: E como é o funcionamento do programa?
R.C.: Esse primeiro núcleo tem a particularidade de ser profissionalizante porque forma os monitores responsáveis pela formação de outros músicos. Assim que este núcleo estiver sólido, com os monitores formados, vamos poder criar outros.
swissinfo: Quantos jovens fazem parte do projeto hoje?
R.C.: Inicialmente eram 100, mas já são 130. Já temos um núcleo formado no projeto. Cerca de 30 jovens e crianças já são crias do primeiro grupo.
swissinfo: E quais os critérios usados para a seleção?
R.C.: Para esse primeiro grupo, que é formador, os pré-requisitos foram: tocar um instrumento, saber ler partituras e ter as tardes livres.
swissinfo: Este núcleo vai aumentar?
R.C.: Este não. Pretendemos mantê-lo em 130 porque a estrutura do Teatro Castro Alves é adequada a este número de pessoas. Pretendemos formar outros núcleos.
swissinfo: Vocês já sabem os locais?
R.C.: Estamos fazendo um mapeamento do Estado, mas ainda não sabemos. É preciso ter uma certa infra-estrutura para o ensino da música: uma boa acústica, silêncio para que haja concentração e um mínimo de conforto porque são muitas horas de trabalho. A formação de novos núcleos depende do que conseguirmos encontrar.
swissinfo: Nos novos núcleos os estudantes precisarão ter os mesmos pré-requisitos?
R.C.: Não. Só a disponibilidade de tempo. Nos outros núcleos queremos dar a formação musical desde o início. Não é preciso ter estudado. Só vontade. Numa sondagem, que faz parte deste mapeamento do estado, 500 jovens fizeram uma pré-inscrição. Ou seja: querem tocar numa orquestra! Algumas pessoas ficaram surpresas, mas eu não.
swissinfo: E por que? Você esperava este interesse mesmo com o sucesso da música popular no Brasil e na Bahia?
R.C.: Sim. Onde há diversidade há abertura. A diversidade musical brasileira abre espaço também para a música erudita. Acho que é o discurso de quem faz a música erudita no Brasil que cria esse mito de que a música clássica é coisa de elite.
swissinfo: Você falou da Venezuela. Como está o programa lá?
R.C.: Lá o programa já existe há 32 anos, tem cerca de 300 mil jovens nos 138 núcleos orquestrais. Se você pensar que é um país com 25 milhões de habitantes, há mais de 1% da população praticando musica sinfônica. A Bahia tem 17 milhões de habitantes.
swissinfo: Quantas horas os jovens do Neojibá tocam por dia?
RC: Três horas, de duas às cinco. Quando temos apresentações aumentamos um pouco a carga horária. O diferencial deste projeto é que ele funciona todos os dias... É a única forma de desenvolver o aprendizado. Um jovem tenista também tem de jogar todos os dias...Se ele pára, o resultado nas quadras não será o mesmo. E a música também tem um lado de higiene mental que a pessoa se acostuma. Faz falta.
swissinfo: O Neojiba é gratuito. É mais voltado a crianças carentes?
R.C.: É gratuito, mas este é outro diferencial: é dirigido aos jovens que queiram aprender música orquestral. Isso significa que é aberto a todas as classes sociais. Não é porque o jovem tem dinheiro que não pode participar dele. O foco é a música. E a integração se dá por ela. – Nosso projeto se inspira no FESNOJIV e difere em substância de outros pela busca da excelência. Não estamos criando um projeto exclusivo para populações carentes, mas sim um projeto de integração social por acréscimo através da prática orquestral.
swissinfo: O foco não é tirar o jovem das ruas...
RC. Não é este o objetivo. Não tenho nada contra outros projetos que busquem entreter os jovens com a música. Mas este projeto é voltado para a formação orquestral visando a excelência. E a integração se dá pela pratica da música na orquestra, que funciona como deveria funcionar uma sociedade...
swissinfo: Você pode explicar isso melhor?
RC.: O Jose Antonio Abreu, que dirige o programa da Venezuela, diz que a sociedade funciona como um orquestra: há um sistema de hierarquias bem estabelecido, a necessidade da disciplina e do companheirismo porque você precisa escutar o outro. Isso tudo com o objetivo de criar a beleza. Essa experiência planta no jovem uma semente para que ele se torne um cidadão melhor. Ele compreende que pode entrar em acordo com a sociedade, quer seja pobre ou rico. A orquestra coloca os dois na mesma sala, tocando as mesmas notas e com o mesmo resultado. Na Sinfônica Juvenil os segmentos da sociedade estão representados, temos  jovens muito pobres ou de classe média baixa até dois alunos da Escola Americana.
swissinfo: Como assim?
R.C.: Nossa meta é oferecer uma formação de alto nível e, ao mesmo tempo, mobilidade. Queremos oferecer dois a três meses de estágios em outros países. É importante conhecer o ensino da música na Europa, que é o berço da arte que praticamos... É a base da música erudita, mas não somente...É preciso lembrar que a música européia se inspirou em sistemas de composição da Ásia. No século 20, por exemplo, os franceses se inspiraram no oriente para compor...O que é importante é a mobilidade do conhecimento, que hoje em dia está muito mais democratizado.
swissinfo: Há a intenção de levar o projeto a todo o país?
R.C.: É uma questão de recursos humanos. Recursos espirituais e vontade nós temos (risos). Não adianta nada construir hospitais se os médicos não são formados. Não adianta criar um monte de núcleos se os professores não sabem como ensinar. No caso dos hospitais, os pacientes vão morrer. No caso da música, os meninos vão abandonar a música e o público vai correr (risos). Temos que investir na formação desses professores. Este é o grande déficit nacional. Pouca gente sabe ensinar música no nível que queremos.
Entrevista swissinfo, Lourdes Sola


Ricardo Castro nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, tem 43 anos e chegou à Suíça com 19.
Atualmente é professor na Haute École de Musique de Lausanne, diretor da Orquestra Sinfônica da Bahia e diretor fundador do projeto Neojibá.
Iniciou sua formação musical na Bahia, foi aluno brilhante de Esther Cardoso desde os 5 anos de idade.
Em 1984 entrou para o Conservatório Superior de Música de Genebra na classe de virtuosidade de Maria Tipo e de regência de Arpad Gerecz. Um ano depois, conquistou o primeiro lugar no concurso Rahn, em Zurique.
Em 1987, recebeu o Premier Prix de Virtuosité avec Distinction et Félicitations du Jury em Genebra. No mesmo ano foi vencedor do concurso internacional da ARD de Munique.
Em 1993, venceu o Leeds International Piano Competition na Inglaterra.
Em seu currículo figuram concertos com BBC Philharmonic de Londres, English Chamber Orchestra, Academy of St. Martin in the Fields, City of Birmingham Symphony, Tokyo Philharmonic, Orchestre de la Suisse Romande e Mozarteum de Salzburg.

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